domingo, 1 de junho de 2008

A UM AUSENTE



A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudades,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral,
a comum aquiescência de viver
e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderia ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação,
o ato em si, o ato que não ousamos
nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos,
nem isso,
voz modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te
porque fizeste o não previsto nas leis da amizade
e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito
de indagar porque o fizeste,
porque te foste.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Um comentário:

Unknown disse...

Bela homenagem ao grande poeta. Parabéns, Sônia. Bom gosto e elegância refletem todas as páginas de seu Blog.